quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Na trilha dos bois







Aqui em Alagoas é muito forte a tradição dos bois de carnaval, de todos os tamanhos, que contam histórias e encantam a todos, especialmente os meninos... Há muitos anos, mestres populares criaram 4 boizinhos de carnaval, dois maiores e dois pequenininhos. Eles ficaram tão lindos que foram expostos e as pessoas iam vê~los. Depois foram guardados e esquecidos. Até que um dia, uma mulher doce, de nome Kelcy e olhar de encantamento, os encontrou e se sensibilizou com seu silêncio e quietude. Como não sabia como ajudá~los, me perguntou se eu queria...Vieram morar aqui em casa, foram acariciados, seus rasgos remendados, algumas fitas trocadas e eles voltaram a circular, voltaram a serem expostos e admirados.Então foram novamente guardados e ficaram silenciosos...
Um dia, estavam na varanda, em uma caixa para olhar o movimento, quando Mariano chegou: um carroceiro alegre, brincalhão. Tinha vindo recolher umas telhas quebradas...Passava pra cá, espichava o olhar pros boizinhos. Voltava e enrabichava de novo os olhos, olhos brilhando de menino grande. E aí me disse: fiquei olhando os boizinhos e pensando nos meninos do Reginaldo (Reginaldo é o local no qual Mariano mora, as encostas de um rio que um dia foi um lindo rio, o maior da cidade
e hoje corre triste e poluído, cercado de casas pobres e meninos, muitos meninos).
Perguntei se lá tinha muitas crianças e ele confirmou que sim.

Fiquei pensativa observando Mariano no seu vai e vem carregando as telhas. Olhei pros boizinhos na caixa azul, todos de cabecinha levantadas e juro que vi um brilho de expectativa nos seus olhinhos...Num rompante perguntei :
_Mariano você gostaria de levar os boizinhos pros meninos do Reginaldo brincarem???

Foi olho brilhando pra tudo quanto é lado!!!!!
Partiram todos: Mariano com seu chapéu de abas caídas e seu sorriso aberto de menino que já está envelhecendo mas não perdeu a meninice e quatro boizinhos garbosos na carroça de recolher telhas, puxados por uma burrinha linda e bem cuidada, à caminho do Reginaldo.
Não tenho dúvidas: no Reginaldo a festa vai durar até o carnaval...só não sei se são os meninos ou os boizinhos que estão mais alegres, cumprindo sua sina de brincantes.

terça-feira, 29 de março de 2016


" Falamos em ler e pensamos apenas nos livros. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoção nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar."


Mia Couto

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

REFUGIADOS
     A imagem  do pequeno Aylan, o menino Sírio morto  na praia,  é de uma dor tamanha que muitas pessoas se incomodaram....


     Os migrantes e refugiados, fogem de sua terra quando não há mais condição de se manterem  vivos. Se ficar: morrem!Então se lançam ao mundo numa desesperada tentativa de sobrevivência. Para isto deixam familiares, pessoas queridas, trabalho, sonhos, cultura....deixam sua história. O começo do drama é sempre guerra, perseguição, morte, fome, desespero...

     Se conseguirem fazer a travessia, seja de barco, de trem ou caminhando, ainda precisam encontrar alguma porta aberta, ser acolhido em terra estranha.        E, na melhor das hipóteses, este não é o final feliz, é apenas o melhor final possível naquele momento. Ao refugiado sobrevivente, resta agora aprender uma nova língua, conhecer outro espaço, outro clima, outra cultura e tentar reorganizar uma nova vida.
     Mas o refugiado vai ser sempre um ser dividido em duas nacionalidades, duas vidas no mesmo corpo. E no olhar sempre tem aquele momento de névoa, de banzo, de saudade.
     Falo isto por ser filha de um refugiado, um alemão, ariano, que ousou ser antinazista, no início da década de 30. Foram duas prisões e já havia uma terceira decretada: era fugir ou morrer. E o pior, colocar em risco a vida de toda a família.
     Meu pai atravessou a Europa a pé, fugindo da Alemanha, com documentação fria e acabou chegando ao Brasil, como um apicultor. Ele que era teólogo e filósofo. Aqui passou fome, foi discriminado pelos alemães por ser antinazista e por muitos brasileiros por ser o inimigo alemão. Se apaixonou, constituiu família , a Guerra acabou mas ele nunca conseguiu da sua pátria o visto para retornar (só forneceriam para ele, para a família não).
    Sempre amou o Brasil e os brasileiros.
    No olhar, muitas vezes distante, aquela sombra...

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Hoje foi um dia de muita emoção...
Preguiça encontrada e entregue ao pessoal do Projeto Recor...
Eu estava dando aulas e meu amigo me chamou para vê-la.

 Linda , agarrada ao tronco de uma palmeira. Fazer carinho em sua barriga foi de encher o meu coração de doçura...




Depois ser carinhosamente retirada e carregada para ser transportada para uma reserva para que possa viver solta na natureza

domingo, 8 de fevereiro de 2015

MEUS PAIS

       Me perguntaram se estou saudosista por publicar trechos da minha história...não, não é nada de saudosismo.
       Minha irmã Ana começou a escrever um livro da família e me pediu para redigir trechos, lembranças, o que achasse importante. Nossa família tem dois núcleos bem distintos: um alemão e um brasileiro. Não conhecemos nossos parentes alemães, meu pai veio fugindo do nazismo e nunca mais retornou. Tínhamos poucas fotos e  as histórias contadas por meu pai . Começamos a buscar contato com os parentes de lá. Há pouco tempo, um primo nosso nos contatou e começou a enviar o que tem: muitos documentos, cartas, poemas e fotos. Juntam-se os fragmentos de lá e os de cá, tentando costurar os buracos deixados pela guerra.
       Na parte brasileira, também existem lacunas: família de agricultores, muitos analfabetos, com poucos registros. Seguimos pesquisando. Tio Chiquinho, irmão de minha mãe, vivo e lúcido é hoje a possibilidade de identificação de quem é quem nas imagens. Vamos costurando fotos, lembranças, histórias e reafirmando laços.
Recebo esta foto de meus pais, tirada muito antes de eu nascer.
       Me encantou!
       Estes registros também servem para nos entendermos dentro de um contexto maior: a Segunda Guerra e seus efeitos, a questão dos pequenos agricultores que no final da guerra começaram a ter de sair de suas terras. Minha tia, irmã de minha mãe se casou com um cegonheiro do ABC paulista. Minha mãe se casou com um alemão que se tornou depois um grande professor. E assim a família foi se separando, perdendo seus laços com a terra, sobrevivendo nas cidades. Nas décadas de 50/60 e 70 era muito difícil a comunicação e as viagens.
       Hoje a internet nos reaproxima, porém, muitos já partiram e os mais novos não conhecem sua história, ou a tem fragmentada. 
       O que somos sem nossas raízes, sem nossa história?

      Esta é a única foto que temos de nossa família reunida no Brasil: meus pais, minha irmã Branca e seu marido Neco, Ana e eu. Vivas hoje, só Ana e eu.....e nossos descendentes que a vida continua.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

história que trago em mim (parte 3) - OS AVÓS
       Só conheci minha avó materna (Leontina), os outros só de histórias e poucas fotos...Mas sei que trago em mim muito de cada um deles.
Minha avó Leontina era uma mulher forte e ficou viúva com as filhas, minha mãe ainda sendo amamentada.Meu avô morreu queimado em um incêndio na plantação.
 
       Pelo lado paterno, poucas fotos e muitas histórias...meu pai veio fugindo do nazismo e nunca pode retornar. Esta semana recebemos muitas fotos de um primo que mora na Alemanha e entre elas esta linda foto de meus avós.

       Atrás meu tio Alois, meus avós sentados com seus gatos e sua taça de vinho produzido pela vinícola da família..... Esta herança eu recebi: o amor pelos gatos e pelo vinho!!!!!


História que trago em mim (parte 2)

        Minha mãe Leonor era uma agricultora brasileira, analfabeta até a idade adulta, que desde muito pequena trabalhou de enxada na mão. Minha avó Leontina era uma mulher forte, guerreira; meu avô morreu quando minha mãe era bebê, vítima de um incêndio na plantação. Desta maneira, minha avó e suas oito filhas mulheres tocaram o pequeno sítio, labutando na roça, na criação de pequenos animais e na lida com a casa. Nas décadas de 1920 e 1930, as comunicações eram difíceis, viviam quase isoladas e o sítio era a fonte de subsistência. Escola? nem pensar!
       A família ia de carroça ao vilarejo nos finais de semana para troca de produtos e para a missa semanal. Como plantavam muitas flores, levavam sempre um ramalhete para enfeitar o altar.
      Numa destas idas, meus pais se viram pela primeira vez: um alemão fugitivo do nazismo, uma mulher do campo e uma braçada de flores!
          Deste amor nascemos 4 filhas....
      Meu pai, por toda vida sempre trouxe para minha mãe um imenso ramalhete de flores simples( margarida e flores do campo ) na data de aniversário de casamento. Quando ficou doente, me pediu que comprasse para ele poder entregar.
        Minha mãe era também uma maravilhosa bordadeira e cozinheira de mão cheia. Hum o pão de Dona Leonor! Também costurava e fazia meus vestidos de baile na adolescência. Mas, o que mais me impressionou foram: sua criatividade, sua capacidade de solucionar problemas no dia a dia e seu dedo verde, seu lado Tistu: tudo que plantava crescia maravilhoso!
        Estas são lembranças que não esquecemos.

 meus pais

minha mãe Leonor e minha avó Leontina